O supremacista científico (cientificista, coletivista, positivista, eugenista)


É "supremacista" toda e qualquer pessoa catedrática ou não que use a ciência ou creia nela de modo absolutista, autoritário e onipotente. A pessoa acha que a sua perspectiva sistematizada ou de alguém, seja alguma autoridade ou até alguma instituição, oficial ou não, represente a Ciência e não apenas uma técnica, pesquisa ou inferência com pares dentro de um mesmo ramo, dimensão de realidade ou tipo especifico de ciência. É todo aquele que acredite haver algum consenso ou concepção majoritária dentro da Ciência que possa valer descomedidamente para todas as ciências e sistemas complexos de vida, praticando um reducionismo tão grotesco, quanto totalitário e fraudulento. E que se acha enganosamente superior, quando não passa de um sofisticado engodo dos mais perigosos e deletérios.

Isso vale então para o cientista que reduz o universo ao seu credo de que comprova algo e que por isso poderia até impor seus resultados, ao invés de reconhecer que seu observado é condicionado pela sua própria índole enquanto observador e que, portanto, apenas propõe algo que pode ser válido, mas dentro de uma estrutura circunscrita ou coordenadamente segmentada, contextual, provisória, referencialmente limitada e que ainda assim precisa de revisão constante ou atualização a qualquer tempo.

No entanto, o supremacista científico não se reconhece como parte de um todo fluído e dinâmico muito maior do que ele. Ele confunde a sua parte com o todo. Ele quer majorar a sua parte como se fosse o TODO, pois não se apercebe de sua mentalidade egocêntrica, de sua mera crendice tecnicista ou visão estreita no uso, extrapolar ou abuso de algum tipo de fazer cientifico. 

É o especialista, o acadêmico, o juiz, o político, o jornalista e os crédulos do povo que na verdade confundem alguma técnica como se fosse a ciência na acepção da palavra e assim abusam de narrativas de falsa universalidade de modo tosco, usando-as como pretexto seja para satisfazer seus próprios interesses, ou suas pulsões subliminares, ou ainda, para promulgar suas inseguranças, desejos inconfessos e alguma tara oculta por controle. E tudo isso devido a algum recalque psicológico autoritário que ignoram em si mesmos e que justificam através de pseudorraciocínios técnicos ou científicos. Recalcamento esse que, por sinal, ainda pode vir disfarçado de discurso coletivista fervorosamente crente nas suas boas intenções, e que na verdade funciona muito mais como um álibi de autopersuasão para ocultar o fato de que seus entusiastas não passam de néscios, demagogos, ludibriados e ignorantes de como se dá o processo de conhecimento, de como funcionam seus mecanismos, limites e contradições, bem como, suas referências e princípios éticos, tanto quanto, a negligência para com a multidimensionalidade da vida e a sua diversidade que esses tecnicistas acabam aviltando na mesma medida de sua mentalidade facciosa, centrada numa técnica que tomam como Ciência, quando no máximo poderia ser considerada um modo de fazer cientifico. E isso, claro, quando essa técnica for usada com competência e honestidade, pois, ninguém deveria esquecer que a ciência assim como uma ferramenta ou uma arma, pode ser manuseada para o bem ou para o mal, com maior ou menor destreza, embora quem a utilize vá sempre declarar ter as "melhores" intenções.  

Por isso, quando vejo alguém falando autocraticamente em nome da Ciência com ares de superioridade, usando-a para justificar a coerção, o abuso de poder e a violação alheia, já sei que ali está uma pessoa obcecada por controle, narcisista e autoritária, negligente do que é epistemologia da ciência, ignorante de como se dá o processo de conhecimento e que em sua prepotência desvairada representa um imenso perigo para a sociedade, dada a sua apropriação indevida ou megalômana do que é fazer ciência. E ainda, também por não saber diferenciar minimamente o que é praticar ciência com consciência, e que exige humildade, ética ou reflexão dialética e até mesmo senso dos próprios limites ou referenciais, e o que é ser um mero autômato inconsciente repetidor de algum mecanismo cientificista, tecnocrata o qual se atribui pretensa e falaciosa universalidade. Esse tipo de técnico calculista e de pessoas burocratizadas e subservientes que se aliam a essas posturas autoritárias, falsificadas e calamitosas são uma praga para a humanidade muito mais mortífera do que qualquer vírus.

Afinal, quem estudou um mínimo de epistemologia das ciências deveria saber que não existe consenso em Ciência, só existe algum consenso em um mesmo grupo de verificação. Mas a Ciência é formada por muitas ciências, e essas ciências são formadas por muitos campos diferentes de atuação. E esses campos são formados por muitos grupos de verificação. Muitos desses divergentes entre si ou discordantes até mesmo dentro de um ramo bem específico de atuação de uma tipologia de ciência.

Você ter que assistir especialistas, médicos, juízes, procuradores, políticos, jornalistas agindo como torcida organizada, feito militantes e ideólogos fanáticos falando em nome de uma suposta Ciência única, falando em consenso científico e homogeneização por testes randomizados (cujo locus de pesquisa é sempre artificial, não se aplicando tanto ao mundo vivido sem o controle de variáveis), como se fossem os defensores do Templo da Ciência da Verdade Absoluta para justificar a IMPOSIÇÃO de panaceias a toda a terra, é você ver a humanidade ser rebaixada mais uma vez a uma espécie de novo culto de sacrifício coletivo, com sacerdotes tecnocratas no comando de um cerimonial nauseabundo macabro. Algo muito parecido ao que os acadêmicos e cientificistas eugenistas fizeram em passado recente, patrocinados por grandes fortunas, colaborando para a ascensão dos nazistas.

Por isso, é preciso diferenciar a Ciência das ideologias infiltradas nas ciências, como o cientificismo (objetificação) e o relativismo (subjetificação). O critério do positivista de que só o que é objetivo é válido se contradiz, pois todo o critério é subjetivo. O objetivo é parte, não o todo. O critério do relativista de que toda a verdade é relativa ou subjetiva, também se contradiz, pois esse próprio critério se relativiza, se auto anula ou se torna absoluto. O subjetivo é parte, não o todo. A despeito disso, positivismo e relativismo ainda são as duas crenças dominantes no meio acadêmico e científico. São profícuas em produzir construções artificiais e perigosíssimas quando extrapolam seus limites, negando as suas contradições, o que de pronto as converte em ideologias, falácias radicais ou extremistas. Pois, se o positivismo for levado a sério como critério de validação científica, então nada é ciência. E se o relativismo for levado a sério, então tudo é ciência.

O fato é que quando as partes querem se passar pelo TODO, o mundo inteiro fica reduzido à imagem e semelhança de falsários enganosos, ao engodo de ideólogos tecnocratas; a ciência como mera propaganda para alguma distopia social. 

Aliás, essa é uma constatação espantosa sobre a razão humana dissociada das emoções e sobre os intelectuais engrupidos que tentam reduzir tudo a sua própria dimensão de conhecimento, a de que partem de uma presunção ainda mais grave que é de sequer reconhecer o mecanismo de sua própria falta ou limite de percepção; e daí saírem por aí extrapolando explicações materialísticas sobre o que não entendem ou no tocante ao que lhes escapa sem nenhum pudor. É constrangedor perceber na nossa cultura comportamental como é corriqueiro ver que aqueles que mais reduzem as coisas ao seu próprio modo de conhecer, menos as compreendem e mais ainda se achem habilitados a julgar e explicar o que não entendem. Ou seja, quanto menos sabem, mais acham que sabem. Historicamente, seja na ciência, na religião ou na política, o laivo totalitário não reconhecido dos seres humanos, tipicamente os ditos normais ou hegemônicos de um lugar ou época, tem se caracterizado como um prelúdio para catástrofes humanitárias devido às formas mais vis de abuso de poder em nome do bem comum ou da ordem social. A combinação de elites corruptas e massas indolentes ou facilmente manipuláveis salta aos olhos na história, mas a maioria está tão alienada ou doutrinada pelos costumes prescritos que sequer é capaz de perceber a sua parte de responsabilidade no curso dos acontecimentos.

No fim, quem controla a narrativa controla a opinião pública e a verdade em perspectiva que se dane, a ciência acaba sendo usada para a subversão ou como mero instrumento de retórica e propaganda. O problema é que essa danação acaba recaindo sobre todos os implicados, sendo os ingênuos as primeiras vítimas do colapso entre as narrativas dos falsos notáveis e os fatos conforme são vivenciados. Junte todos esses discursos de autoridade em nome da ciência que abusam de pretenso consenso ao uso massivo de censura contra dissidentes e o que você obtém é alguma forma de tecnocracia ou totalitarismo ao invés da prática de uma ciência genuína que promova o bem-estar da humanidade.   

Por conseguinte, fica a reflexão: Se você não sabe diferenciar a ciência genuína das ideologias travestidas de discurso científico, então como vai diferenciar uma premissa válida de uma retórica autoritária? Como vai saber a diferença entre civilidade e submissão? Ou entre moral e ética? E que dirá da linha tênue entre direitos e deveres?

E o mais trágico de tudo isso é que aquele que não sabe nada disso, mas pior, acha que sabe, tenta se persuadir na sua prática coercitiva ou submissa a um poder opressor, sem se aperceber de que está a soltar furtivamente suas malevolências no mundo sob o rótulo de ciência, quando, no fundo, só demonstra não saber discernir minimamente onde vigora a sua responsabilidade e se agrilhoa a escravidão.

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