A autoconsciência como superação do orgulho revestido pelo ativismo social


O orgulho, ordinariamente, pode se camuflar de causa social, a fim de disfarçar os aspectos repulsivos da pessoa, como o seu desejo de poder ou de ditar regras e expropriar os outros, a sua necessidade de controle sobre a vida alheia e até de falsear contrapesos as suas desvalias. Investindo na boa imagem social de si, a pessoa vai revestindo as suas tendências egoístas, ressentidas e totalitárias, tornando-se demagogicamente enrustida por alegadas "nobres" intenções. 

“O orgulho a terra come”, diz o ditado popular. Ao que podemos acrescer, até mesmo aquele orgulho exaltado às custas dos fracos e oprimidos, e que leva muitos a serem engolidos pelos abismos ideológicos, ao encontro dos reinos de lama, nos umbrais das interioridades renegadas em prol da desfaçatez social. 

Os ativistas sociais, comumente, se acham representantes do povo e pretensos porta-vozes das necessidades e carências alheias, fantasiam-se de pessoas-bandeira, encontram um filão ou são atraídos por conveniências psicológicas a um determinado grupo de identidade ou causa social, e então, recorrem a um poder externo, geralmente coercitivo ou usurpador, a fim de tentar sanar seus dilemas internos, emocionais e existenciais, que acreditam poder resolver voltados apenas para fora, impondo seus interesses aos demais, sem precisar olhar para a etiologia desses problemas, e de preferência, sem precisar se ater aos avessos de si, as suas próprias contradições íntimas, muito menos, a profundidade desses temas, ou a sua dimensão de interioridade e complexidade. 

Em outros termos, os ativistas sociais geralmente não querem encarar a sua própria sombra (e complexos), embora sejam ligeiros em apontar as sombras alheias, se queixar delas e se fazer de vítimas. Querem direitos, mas não querem saber de deveres. Não percebem com isso terem se corrompido desde o principio, pois a sua motivação não era nobre, mas auto-enganosa, portanto, fingida, dissimulada, revestida pelo orgulho e movida pelos seus recalcamentos não reconhecidos. Logo, sendo facilmente manipuláveis em sua ufania, acabam patrocinados por aqueles que dizem combater e elegem dentre seus líderes as figuras mais ardilosas e sedentas a fazer tudo por poder sob o conveniente disfarce da causa social; essa sempre falsificada e reiteradamente utilizada até os tempos atuais para maquiar chantagens, usuras, fraudes, ilusionismos, estelionatos e corrupções de todos os tipos, desde as religiosas, passando pelas cientificas, até as ideológicas, políticas e sociais. E então, esses ativistas tornam-se pessoas fantoches, como diria o psicólogo canadense Jordan Peterson, ou, idiotas-úteis, para deleite do gênio maléfico revolucionário do italiano Antônio Gramsci. Ou ainda, se reduzem ao imbecil coletivo, conforme a expressão do filósofo Olavo de Carvalho, ou, ao homem-massa, vide a alcunha dada pelo escritor José Ortega Y Gasset.

Entrementes, o ativista social é o tolo-voluntarioso e pretensamente politizado que tenta sanar os problemas sociais sem olhar para dentro de si, virando massa de manobra dos poderes dominantes. É a pessoa que quer curar o mundo lá fora, consertar a sociedade, sem ter que mudar a si mesma. É aquele que deseja se empoderar, mas não quer se conhecer. Demoniza o sistema e a hierarquia, mas não reconhece a sua sanha por poder, nem os seus próprios demônios íntimos e teme olhar o abismo dentro de si, a sua própria sombra e herança totalitária. Em sua inépcia, quer mudar a imagem de mundo lá fora sem percebê-la como um espelho, a semelhança de si mesmo, a sua própria projeção, indolência e cumplicidade débil e inconsciente.

Alguns ativistas lutam por posições de domínio, outros apenas pela mera participação e obtenção de alguma vantagem; a maioria contenta-se em ser seguidor; mas todos infiltram-se num coletivo, numa categoria social, entre os amantes de uma causa, fazem-se líderes ou liderados e pactuam na busca pelo poder ou acolhimento na salvaguarda do poder. Daí militarem sempre pela concentração de poder em algum ente que pretensamente os represente, e que na verdade, vai conseguir apenas dissimular mais (ou menos) essa representatividade, pois toda a causa e seus participantes partem de uma base corrupta, do indivíduo que não olha a própria sombra e prefere a ilusão coletiva.

O demagógico ativista não percebe que a sua obsessão é mais pelos jogos de poder do que pela causa em si, pois, na verdade, essa foi apenas uma ilação ou um mero pretexto para não ter que olhar a fundo dentro de si, em direção aos seus orgulhos feridos, a suas afetividades problemáticas, as suas sombras, seus dramas e ressentimentos ou malogros internos, e que não podem ser resolvidos diretamente por ideologia, religião, ciência, política e coletivo nenhum, sem o devido confronto, primariamente, cada um consigo mesmo, no plano individual interior, autoconsciencializador.

Portanto, a pessoa que deseja uma sociedade melhor, precisa primariamente ou simultaneamente, se melhorar no plano individual interno, confrontando a si mesma. E se distanciar dos extremos de ressentimento entre o individuo avarento (do tipo predador financeiro, "tudo em nome do capital") e o indivíduo massa (do tipo achacador revoltoso, "tudo em nome do social") que se digladiam nos jogos de poder, e que ensejam as mais variadas polarizações nos papéis de vítima e algoz, tanto quanto, suas peculiares manifestações e defraudações. 

É desse modo, em se flagrando do próprio papel representado em meio a todos aqueles que projetam os seus dejetos e suas sombras nos outros e nesse mundo, que o buscador sincero, ao contrário do mero ativista social, pode perscrutar a sua própria falta de apercebimento no que se refere a suas vulnerabilidades afetivas, espirituais e existenciais, e mergulhar na profundidade de si com responsabilidade consciente, a fim de realmente promover algum tipo de evolução na sociedade, ao invés do falso progressismo que serve as sombras, ou que se orgulha em ser “resistência”. Ou ainda, noutro viés, daqueles todos que acreditam em "mitos" predestinados ou que esperam por "salvadores" de fardas como se fossem donzelas a ser resgatadas...

O verdadeiro progresso só se dá desde dentro, a partir de um tipo mais engajado e autêntico de individualismo solidário, interiorizado, cônscio, que é ciente do mal que o espreita e lhe sussurra tentações, projeções e descaminhos. Um individuo que prioriza a integridade e se confronta, a fim de tornar-se genuinamente capaz de formar uma sociedade mais próspera e justa. Um individuo já mais calejado quanto aos "pactos faustianos" das soluções exteriores, cético quanto a ideologias, liberto de utopias e centrado na busca pela essência humana enquanto portal interno para a verdade, o sublime e o excelso: a vida divina, a vivência direta do sagrado.

Conexão egrégia essa que é uma experiência vital a ser pontificada pela decodificação da linguagem sacra intuição-razão, ou coração-intelecto, inscrita nas tradições de sabedoria da humanidade, cuja mensagem se revela pela disciplina da autoconsciência, que desfaz véus, clarifica submundos e nos conecta as esferas elevadas, trazendo mais Luz e Amorosidade genuínas a esse mundo de obscuridades e falsidades, inclusive desmistificando àquelas que se alardeiam em nome das causas sociais.

Pois, tacitamente, não há solução para as desvalias desse mundo, nem solidariedade verdadeira, que não passe antes, pela autoconsciência de cada indivíduo, a integração do mal que subjaz em seu interior, enquanto oposto psicológico natural do bem, e a libertação espiritual de todos os apegos as masmorras ideológicas e reinados de lama abissais, edificados nas mais artificiosas miragens do materialismo decadente, esteja esse sorrateiramente infiltrado na religião, na ciência, na ideologia política ou na própria espiritualidade.

Com efeito, desde o nosso primeiro ao último suspiro e mais além, devemos lembrar-nos a todo o momento que "separar o trigo do joio" não é uma tarefa institucional, extrínseca ou que se possa delegar a alguma autoridade, comunidade ou a terceiros, mas sim, uma missão pessoal, uma escolha íntima, ou ainda, uma constelação de escolhas, a ser manifesta em nossas relações habituais e sociais, mas partindo sempre de uma presença que é a nossa própria responsabilidade individual-existencial.

Comentários