A Matrix Estatal (ou o Leviatã)

Num tempo não muito distante, num planeta e lugar qualquer...

Vive-se uma Matrix Estatal. A mente de todos foi estatizada, massificada. Todos se tornaram, em maior ou menor grau, adoradores estatais sem nem perceber, por intermédio de uma agenda de doutrinação cultural. Todos passaram a depender e a delegar cada vez mais poderes ao famigerado Leviatã estatal, eximindo-se de suas responsabilidades, numa espécie de infância civilizatória, ou berçário de sua própria cidadania. Eram as crianças estatais. Aceitavam serem tratadas como inaptas pelo Estado, mas eram exploradas em sua força laboral como adultos.

Nesse exótico lugar, todos trabalhavam seis meses no ano apenas para pagar impostos para sustentar um sistema de Três Poderes onde a corrupção era a "regra", oculta aos olhos, mas não aos corações, que sentiam-se desconfiados, mas, ainda assim, consentiam em viver nessa sórdida situação. 

A mídia oficial desse lugar era apenas uma máquina de propaganda subversiva dissimulada, a manter todos idiotizados. A cultura foi degenerada, e até mesmo uma parcela dos estudantes e acadêmicos desse lugar tornaram-se analfabetos funcionais, só que politizados. Era a casta dos engajadinhos defensores do sistema, por isso, eram conhecidos como politicamente corretos. Foi um ciclo terrível de corrupção das ideias. Subjetividades foram sequestradas. Tristes tempos em que se protestava pela educação vandalizando escolas e universidades e não deixando os outros estudarem. E onde facciosos estatais acusavam os outros de golpistas por não se alinharem a sua distopia igualitária.

Enquanto isso, os vendilhões das religiões do ocidente ao oriente, serviam aliciando almas. Havia desde bispos, papas, a teólogos, gurus e lamas, traindo a essência de suas tradições. Muito populares, carismáticos e de fala mansa, serviam ao totalitarismo amansando os espíritos, indicando um pacifismo extremo que nada mais era do que um entreguismo dissimulado. Todos prometendo um "outro mundo possível", neste reino ou num próximo. Bastaria orar, meditar ou praticar a não-violência. Gurus folclóricos do oriente vinham ao ocidente falar de paz e ensinar a meditação a tropas de narcotraficantes de lugares vizinhos, a fim de convencer os seus povos a selarem acordos de paz e dar anistias a guerrilheiros, legalizando a sua participação na vida política de sua nação. Encenar era bem mais fácil do que transformar-se. A estética da desconstrução e do relativismo virara moda e a espiritualidade tornou-se um arco-íris multicolorido, um jardim de infância de ilusionismos, onde achava-se que a maldade suprimida, insistentemente negada, silenciada ou mantida velada, simplesmente desapareceria... Quando na verdade estava apenas infiltrando-se cada vez mais nas instituições daquele lugar e de tantos outros... 

Nesses tempos sombrios, o cidadão trabalhador era apenas um servo do Estado. Era tão duro de reconhecer isso, apesar dos vários "bugs" que indicavam as depravações do sistema, que muitos preferiam repetir mentiras e viver na mentira. Outros, aprenderam a fingir conveniências. E havia quem optasse pela ignorância como defesa, pois não tinha estômago para a realidade. Pela omissão da maioria, restava a todos sustentarem com o suor de seu trabalho um governo de gangsteres, de parasitas sociais, de burocratas corruptos. Todos em realidade eram escravos de uma cleptocracia, mas a narrativa era a de que se vivia numa democracia, com eleições e tudo o mais. Narrativas bastavam para ludibriar as mentes acomodadas e sedentas por ilusões, benefícios e facilidades aparentes. Raros não se deixavam subornar por prazeres fugazes, status, privilégios e imediatismos de todos os tipos, mesmo que em prejuízo do futuro de cada um e de toda a nação.  

Lentamente, no entanto, as coisas começaram a vir a tona, pois tudo o que é reprimido, acaba retornando. Havia gente irresignada e que não queria mais se alinhar a isso de modo algum. Esses foram influenciado outros que não queriam mais se deixar enganar ou escravizar. O desafio, porém, é que não se tratava apenas de escolher entre a pílula azul ou a vermelha. Mas sim, entre praticar a dignidade ou a covardia. Entre a luta pela justiça ou a alienação. Entre a liberdade ou a tirania. A todos nesse local, passou a ser oportunizado: "Façam a sua escolha. Despertem. Ou continuem deitados em berço esplendido, acreditando que o Leviatã cuidará de vocês."

E foi assim que um novo capítulo dessa história começou e uma "batalha" pelos corações e mentes se intensificou...


Epílogo:

Porém, havia um detalhe muito importante: Nenhum grupo podia ganhar essa batalha. Não definitivamente. E, por isso, essa não era a meta final. Não era isso o que mais importava. Sabe-se lá, talvez essa batalha atravessasse galáxias e tempos distantes, variando tão somente o seu cenário e os seus personagens. Assim, não eram os "fins", mas sim os "meios", o que mais importava! O importante era justamente exercitar a "retidão" na luta e, portanto, não se podia lutar de qualquer jeito, era preciso "aperfeiçoar-se" e desenvolver "virtudes" ou "inteligências" para a ação social. Seria prioritário exercitar uma ética da autoconsciência. Entrementes, buscar o autoconhecimento.

Todos precisavam então, em algum nível, olhar para si mesmos, para o seu interior e perceber que ali havia muito trabalho paralelo por se fazer. Ali estavam as brechas pelas quais todos deixavam-se oprimir. Ali haviam muitas contradições a sanar, muitas feridas a curar, muitos ressentimentos a expurgar, muita maldade por redimir, muitas sombras a integrar. Ali havia muito amor e sabedoria a expandir. E isso sim, era o que mais importava. Essa era batalha das batalhas, a sua genuína pacificação e o seu propósito maior.

A energia do amor já não podia mais continuar a ser subestimada. O afeto não podia mais continuar apartado do intelecto. Nem as sombras podiam continuar a ser projetadas somente nos outros. Muito menos - e cada vez mais gente se dava conta disso - iriam haver mudanças significativas se tantos continuassem inertes espiritualmente, sem olhar as regiões abissais dentro de si e a confrontar o sistema. Era chegado o tempo dos infantes estatais se libertarem. Mas, só se estivessem dispostos a assumir novas e maiores responsabilidades. E a encarar a si mesmos, entrar em ação e CRESCER.


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